Racismo ou piada inofensiva?

Tem um video do site Ill Doctrine, que eu acho super bacana, que se chama "How to tell people they sound racist."

Recentemente, eu estava no Facebook enrolando, vendo fotos e tal, quando de repente eu vejo uma foto de uma grande amiga minha (que é branca) vestida de Nega Maluca. Eu confesso que fiquei um pouco perplexa e, sem saber como responder imediatamente, parei um pouco pra refletir. 

Será que eu deveria deixar um comentário dizendo 
que eu achei que a foto era um pouco racista?

ou

Será que eu deveria deixar quieto, 
já que se tratava de uma simples brincadeira?

Eu conheço minha amiga há anos. Eu sei que ela não é racista. Mas essa foto me pareceu tão problemática que eu senti necessidade de mostrar meu ponto de vista. Afinal, pode ser que minha amiga não tenha se dado conta de que isso que ela considerou uma simples brincadeira pode ser algo muito doloroso ou ofensivo pra pessoas negras. Mas como é que eu poderia falar do problema sem ofendê-la?

Para mim, era importante não acusar minha amiga de ser racista; eu sei que ela é uma pessoa amável e boa de coração. Além disso, mesmo que se tratasse de um estranho, é impossível levar em conta as intenções que uma pessoa tem dentro da cabeça. O melhor mesmo, nesses casos, é a gente se concentrar em mostrar que certas coisas que a gente faz ou diz podem machucar outras pessoas, mesmo quando a intenção é simplesmente fazer rir.

Eu resolvi ir direto ao assunto e postei um comentário na foto dizendo o seguinte: Ummmm, Cara, essa foto é muito errada, dá uma olhada nisso: http://black-face.com/ Esse link tem uma explicação da historia do blackface, um tipo de show humorístico dos EUA em que artistas brancos se pintavam de negro pra fazer piruetas e palhaçadas consideradas "típicas da raça." (É claro que se procurarmos entender mais a fundo por que essas "atitudes típicas" eras consideradas típicas, acabamos chegando à conclusão de que é por causa da popularidade dos shows "blackface" e fica impossível parar de correr atrás da própria cauda. Mas isso é assunto pra outro post.)

Depois de colocar esse comentário, eu fiquei refletindo sobre a História de preconceito racial no Brasil e nos Estados Unidos. O que é que essas histórias têm em comum e em que elas diferem? O link que eu usei no meu comentário explica a história do blackface nos Estados Unidos, mas e no Brasil, como é que as pessoas encaram esse tipo de brincadeira?

Infelizmente, para muitas pessoas, o racismo no Brasil é invisível. Para outras (as vítimas), o racismo é uma realidade dura que elas enfrentam todos os dias. É só dar uma olhada nas estatísticas que o IBGE coleta pra ver que eu não estou inventando nada e que não estou fazendo tempestade em copo de água. A realidade é muito diferente se a gente a encarar da perspectiva dos afrodescendentes brasileiros.

Para as pessoas que não sentem racismo na própria pele, uma brincadeira como essa (de usar uma fantasia de carnaval de Nega Maluca, por exemplo) pode ser realmente apenas uma brincadeira. Os blocos de carnaval "Nega Maluca" estão aí pra dar um exemplo. No Brasil, é muito comum ver atores brancos pintados de negro e tudo é encarado com humor e leveza.

O problema é que essas brincadeiras objetificam toda uma parcela da população. E o pior é que essa objetificação lúdica não pode ser recíproca. Quantas vezes você já viu um ator negro vestido de branco?  E se você visse, como é que você interpretaria a intenção dessa pessoa? É bem possível que sua reação em cada caso seria diferente.

Uma resposta ao meu comentário no Facebook (não veio da minha amiga, mas de outra pessoa) foi a seguinte: "Natália, se todos nós tivermos que ser 100% politicamente corretos, não existiria mais humor." 

Mas será mesmo que, pra ter senso de humor, é preciso se render a imagens racistas ou brincadeiras ofensivas a todo um grupo étnico? Mais ainda, será que dar trela pra esse tipo de humor é realmente uma atitude inofensiva? Será que isso não contribui a perpetuar os estereótipos que atingem minorias étnicas no Brasil (e no mundo)?

É claro que dá pra ter senso de humor sem ser racista!

Veja bem, eu compreendo que muito do humor é baseado em tirar sarro da desgraça alheia. Porém, nós temos que diferenciar o que é uma ofensa/piada/bricadeira que satiriza um personagem específico (com suas características pessoais e únicas) e uma ofensa/piada/brincadeira que generaliza e estereotipa todo um grupo étnico. Nenhum dos dois casos é politicamente correto, mas o segundo certamente é racista e deve ser evitado.

Uma piada politicamente incorreta pode ser extremamente engraçada (e mesmo inteligente) se for construída com base em um indivíduo específico ou uma situação específica. Esse tipo de humor às vezes tem até poder educativo.


Mas quando esse mesmo tipo de piada se baseia em estereótipos sobre um grupo étnico, sem indivíduos definidos, corre-se o risco de atribuir a esse grupo características perjorativas e daninhas, das quais é muito dificil para membros desse grupo se livrar.

Esse assunto de fantasias étnicas é bem mais complicado do que se pode imaginar. Eu por exemplo já me fantasiei de Gueixa, de Índia e de Indiana... Considerando o que eu penso hoje em dia sobre estereótipos étnicos, eu me arrependo de ter escolhido essas fantasias. E não porque eu tive intenções ofensivas quando as usei, mas porque eu contribuí à objetificação dessas identidades sem me dar conta. É importante ter senso de humor, mas também é muito importante não reforçar preconceitos étnicos atravéz do humor.

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